Vá-se lá saber porquê, há certos assuntos que têm o misterioso poder de desligar o cérebro às pessoas mais inteligentes.
Estamos a falar de homens e mulheres que são capazes de ter um QI de 150, declamar Virgílio em latim ou estar prestes a descobrir a vacina contra a sida. Não interessa. O que interessa é que de repente alguém diz "aborto" ou "Benfica" ou "Pinto da Costa" ou "casamento gay" ou – e é isso que me traz aqui hoje – "conflito israelo-palestiniano", e é como se uma mão invisível de súbito fechasse a torneira do sangue e o córtex cerebral daquela gente ficasse mais seco do que o Alentejo em Agosto.
A partir daí, o mundo passa a ser visto a preto-e-branco, como se fosse um western dos anos 30 – de um lado os índios, do outro lado os cowboys. É certo que essas pessoas até podem saber de cor todas as terras da Faixa de Gaza ou o nome de cada um dos kibbutzin hebraicos. Só que tal conhecimento de nada serve porque vem desprovido de uma única, pequena, minúscula, microscópica gotinha de bom-senso. O resultado está à vista, nas páginas dos jornais e na sempre animada blogosfera: uns chamam "pacifistas" aos passageiros dos barcos atacados, o que tendo em conta as imagens divulgadas por Israel é no mínimo ofensivo para a memória do senhor Mahatma Gandhi; e outros acham que umas pauladas e uma navalhada em soldados israelitas justificam o assassinato a tiro de nove activistas.
O óbvio, contudo, está à vista – e, como diria Nelson Rodrigues, ulula. O Hamas é o que sempre foi. E Israel está neste momento nas mãos de gente extremista e desqualificada, com a agravante de as suas forças armadas acumularem acções amadoras, impensáveis até há poucos anos. Perceber isto não custa nada. Mas os nossos fanáticos caseiros insistem em dispensar os neurónios e papaguear o mesmo de sempre. Já não há pachorra.
In Correio da manhã Por:João Miguel Tavares
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