
Espanhóis reunidos à chuva, em Madrid, na praça Puerta del Sol, protestam contra o governo e contra a crise
"Toma La Calle", o mote lançado pela organização "Democracia Real YA!", foi levado mais à séria do que era esperado. Há cinco dias que há gente acampada no centro da cidade de Madrid, na praça Puerta del Sol, e por lá vão ficar até domingo, dia das eleições regionais e legislativas. As manifestações foram proibidas pela Junta de Madrid, mas a determinação fá--los não arredar pé. O i conversou por telefone com Klaudia Álvarez, de 35 anos, e uma das fundadores do movimento de jovens à rasca espanhóis.
Como surgiu o movimento Democracia Real YA!?
Através da internet e das redes sociais, sobretudo a partir do Facebook, e assim se criou um grupo de pessoas que pensavam que se tinha de fazer algo. O número de pessoas que apoiam o movimento tem vindo a crescer desde então. De início éramos cerca de 200, de várias cidades espanholas, mas agora só no grupo de Barcelona somos já 900 organizadores.
Tem uma data para o nascimento do movimento?
Há uns três, quatro meses.
Em Portugal existe um movimento muito semelhante, o M12M. Inspiraram-se nele de alguma maneira?
Bem, aqui em Espanha já existiam vários grupos que estavam a fazer coisas parecidas e criticavam o mal-estar geral. Claro que assistimos com muita atenção àquilo que se passou em Portugal porque estamos muito próximos e porque sofremos problemas parecidos. Outra fonte de inspiração foram todas as revoluções no Norte de África, é algo global, algo que se está a mover e está a levar à mudança do sistema.
O movimento Democracia Real YA! tem contactos com outros movimentos de outros países?
Sim. Estamos em contacto com vocês em Portugal, com pessoas de Inglaterra, França, Bulgária. Há ainda alguma comunicação com Marrocos, Tunísia, Egipto, Islândia e cada vez as equipas das redacções internacionais estão a fazer mais contactos.
Pensa que é possível construir um movimento semelhante a nível europeu?
Creio que sim. Creio que os problemas que estamos a ter, esta crise que nos venderam e que foi criada pela banca está a afectar-nos a todos. Não é uma coisa só de Portugal ou de Espanha, nem de um país em concreto. É uma crise mundial e portanto a resposta a esta crise deveria também ser mundial.
Tal como em Portugal, os partidos espanhóis de esquerda tentaram apropriar-se do vosso discurso. O que pensam disto?
Bem, creio que a apropriação do nosso discurso por parte de partidos políticos e sindicatos era previsível. Sempre tentam fazer isso, aproveitar-se da mobilização das pessoas para canalizá-la a seu favor. Mas creio que o movimento Democracia Real YA! deixou muito claro, desde o princípio, que é apartidário e contra quem protesta. E protesta exactamente contra esse partido que tenta apropriar-se do movimento. Logo, é bastante ridículo que estejamos a protestar contra alguém e esse alguém venha publicamente dizer que te apoia. Ou seja, é quase como dizer que apoia que protestemos contra ele. E tentar sobressair de forma ridícula.
Quais são as vossas principais exigências?
Na nossa página na internet, democraciarealya.es, existe uma secção onde estão as oito propostas defendidas por todos os membros do grupo. São documentos de vários tipos, desde a reforma da lei eleitoral, para que seja mais justa, ou a reclamação de uma democracia em que os cidadãos possam participar mais, porque aquela que temos não passa de uma partidocracia. Também há propostas sociais, como reclamar um sistema público de saúde de qualidade e uma educação de qualidade. Estão a fazer muitos cortes, sobretudo na saúde, onde estão a encerrar hospitais. Reivindicamos também que se reduza o orçamento da Defesa, porque dizem que não há dinheiro, mas para armas há sempre. Queremos mais hospitais e menos armas. É o que pedimos entre outras coisas.
Pensa que o movimento poderá no futuro tornar-se um partido?
Não. Penso que somos um movimento de cidadãos, um movimento social com pessoas de todo o tipo e constituirmos um partido político não teria sentido. O que queremos é que os políticos façam bem o seu trabalho, nós fazemos o nosso. Não queremos ficar com os seus cargos, exigimos é que cumpram com as suas responsabilidades.
A junta eleitoral proibiu na quarta-feira o acampamento e protestos na Puerta del Sol em Madrid. O que se passou?
Bem, eu não estive lá. Estou em Barcelona e por isso não tenho toda a informação. Mas, daquilo que sei, o acampamento foi proibido, o que é uma vergonha. É como todas as pessoas estão a dizer, neste país não se autorizam acampamentos de protesto de cidadãos, mas autorizam-se acampamentos para esperar pelo Justin Bieber, que cá veio dar um concerto e os fãs acamparam por três dias só para o verem passar. É ridículo! Mas as pessoas vão ficar acampadas em Madrid, é-lhes indiferente terem ou não autorização. Não vão para casa.
O acampamento pode acabar em violência?
Penso que é uma possibilidade que existe sempre, mas é apenas uma possibilidade e depende, sobretudo, das forças policiais. Porque as pessoas que estão na Puerta del Sol já demonstraram que são pacíficas.
E vão lá ficar até dia 22 de Maio, data das eleições regionais e legislativas?
Sim, essa é a sua intenção. De certeza que vão lá ficar.
Quais são os planos para o futuro?
As pessoas chamam ao movimento 15-M, mas na realidade a plataforma chama-se Democracia Real YA! O 15- M (15 de Maio) foi apenas a primeira grande mobilização e a primeira acção em comum que fizemos por todo o país. Mas temos planos para continuar e estamos a trabalhar para tentar incluir todas as pessoas que querem participar e que nos conheceram a partir do 15-M. Queremos organizar outras manifestações e continuar a lutar pelas exigências que fazemos.
Conciliar o trabalho com as acções da Democracia Real YA! não deve ser fácil. Está cansada?
Sim, estou bastante, mas penso que compensa. Mas não é fácil conciliar o trabalho como professora e as funções de organização no movimento. Sou uma dos fundadores da sucursal em Barcelona e penso que não podemos baixar os braços, temos de fazer alguma coisa para mudar o sistema em que vivemos.
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